LUIZ,
O CORREDOR
Antigamente,
não gostava de seu nome. Quando pequeno, nunca o ouvira. Era Zinho,
Zizinho, Tato, Nenê e assim por diante.
Apesar de ser boa boca, além de pequeno, sempre fora magro.
Na idade pré-escolar não conseguia sequer jogar pelada com os amigos da rua,
porque no primeiro encontrão lá ia Zizinho pro chão. Ficava então sentado,
com os olhos do corpo no jogo e com os olhos da mente numa fantasia onde era o
centro-avante da seleção brasileira, fazendo os gols que via na TV e sendo, no
fim do jogo, carregado em triunfo depois de marcar 5 ou 6.
Ao
entrar pra escola, no primeiro dia de aula, a professora (que também era muito
magra - seu apelido era “profe” Bacalhau), chamou seu nome.
Luiz...Luiz...Luiz. Só na terceira vez percebeu que ela falava com ele.
Hummm! Luiz. Não havia nenhum Luiz na seleção, nenhum cantor famoso de
nome Luiz, nenhum político importante. Êta nominho sem importância.
Sua
escola tinha um professor, muito legal, de educação física, que além das
aulas de ginástica (1-2 , 1-2, levanta,
abaixa, levanta bem o pé, endireita os ombros....) gostava de promover competições
entre as classes. Luiz não tinha corpo para jogos coletivos e então resolveu
entrar nas corridas. Como era leve, mas cheio de energia, começou a vence-las e
pouco a pouco foi se firmando como o melhor corredor do primeiro grau.
Deram-lhe o apelido de
“Chispa”, e já o olhavam com certa admiração e respeito que são devidos
aos que começam a ter fama. Ah,
esqueci de dizer que Luiz tinha um desgosto. Era seu tique nervoso, manifestado
pelo piscar intermitente e rápido do olho direito. Desde que aparecera o tique,
lá pelos dez anos de idade, sua mãe lhe havia proposto várias vezes consultar
um psicoterapeuta, mas Luiz ficava uma fera quando alguém aludia ao seu tique e
mamãe e papai resolveram dar tempo ao tempo...
Assim
Zizinho (alias Luiz) foi levando o primeiro grau com um pouco de estudo e muita
corrida. Chegando ao segundo grau, foi lendo isso e aquilo, ouvindo um pouco de
música e finalmente acabou gostando do nome. Afinal, quem não gostaria de ter
o nome de L Beethoven, L Pasteur, e
todos os Luízes reis de França......até moeda como seu nome existira....
Afinal nem só de hambúrgueres vive o homem..
Foi então, numa bela
tarde morna, de céu bem azul, com os reflexos avermelhados lá no poente, dando
um colorido todo especial à paisagem,
que Luiz “Chispa” conversava calmamente com uma colega de classe, quando ela
disse repentinamente:
-Escuta Luiz, porque não
cuida dessas piscadelas? A gente
acaba não sabendo se você está querendo flertar ou não, e se é com a gente
ou com a menina do lado.
Perigo! Até os pássaros
pararam de cantar, o vento parou, as nuvens se encolheram....mas Luiz apenas
sorriu. Pela primeira vez não explodia quando abordavam suas piscadelas.
Afinal, Marianinha era um doce de menina, e doce é pra degustar, não pra se
irritar. O perfume que Marianinha, apesar de meninota, sempre usava, penetrava o
ser inteiro de Luiz. Ah, a força que tem uma carinha bonita..e um perfume
importado....
-Minha mãe faz
psicoterapia e vive me falando em coisas como culpa, vergonha, tensão e não
sei mais o que. O legal é que ela esta mudando pra melhor. Porque você não se
liga nisso?
Ficaram mais um tempo
papeando, zoando dos professores, enfim curtindo o papo legal e expontâneo próprio
dos jovens que estão se descobrindo. Ao se ficar adulto, a conversa pega um ar
sério, enquanto o conteúdo geralmente é...( não achei o adjetivo....)
Ao
chegar em casa, conversou com a mãe. Dona Assunta pulou em cima do filho e
cobriu o olho direito do mesmo (o das piscadelas) com uma torrente de beijos.
Ligou pra Marianinha, chamou-a de fada benfazeja, pediu pra falar com sua mãe,
anotou telefones e endereços e acredite, depois de meia hora nosso amigo já
estava de consulta marcada.
O
psicoterapeuta abrira uma vaga em sua agenda lotada, após insistente pedido de
D.Assunta, que não queria perder a boa vontade do filho, apesar de já estar
acostumada e até fantasiar as piscadelas do filho como sinal daquela
cumplicidade íntima que as mães gostariam de ter com os filhos.
Lá
vai Luiz pro centro novo de S.Paulo pra primeira consulta. Na entrevista
rotineira o psicoterapeuta, que também era corredor, por sinal maratonista,
soube da alegria que Luiz sentia quando corria e por isso, vejam só, na semana
seguinte lá estava Luís na USP pra correr com seu psicoterapeuta. Luiz, que
era o “Chispa”, costumava correr forte suas corridas, que nunca passara de
500 a 1000 metros. Saíram devagar. Afinal, seriam 10km de treino. Achou aquele
ritmo muito lento e imaginou que no fim dos 10km, o seu terapeuta estaria todo
encurvado, trôpego como um bêbado, com a língua aparecendo no canto da boca,
e o olhar esgazeado, enquanto ele,
o Chispa, lépido e leve, lhe endereçaria um sorriso de superioridade. Ah! E
Luiz ia mentalizando o olhar condescendente que teria pro doutor. Afinal o
doutor era o doutor, mas na corrida, meu, ele é quem dava as cartas. Ah! Ah!
Ah!, e quase sem perceber, durante o primeiro quilometro, viu a cena se
desenrolar diante dos olhos varias vezes. Bem, num ato de amizade, no final da
corrida, poderia até carregar o doutor (quem sabe até ser aplaudido pela turma
que lá estava).
Foi
assim que rodaram o primeiro quilometro. Aí veio o segundo, o terceiro, e o
doutor continuava naquele passo miúdo, sorrindo e de vez em quando jogando um
pouco de Freud pra cima do Luiz. Este começava a suar, um pouco desconfiado das
coisas e imaginando que raios de estimulantes o doutor havia tomado pra estar tão
bem assim. No quinto quilometro, Luiz se sentia cansado....e quase não ouvia
mais a conversa sobre o consciente, inconsciente, auto-estima e não sei mais o
que....No oitavo quilômetro, Luiz tropeçou (os pés já não levantavam
direito), sorriu amarelo, deu uma desculpa qualquer e não acreditava no que
via. O tal doutor, sorrindo, acenava para outros corredores que passavam, com ar
de vitorioso. Pô, isso era o fino
da sacanagem. Além de pagar as sessões, Luiz estava sendo humilhado. O sorriso
do doutor não o enganava..... estava dando uma de bacana em cima dele...
-Ao
entrar na rotatória, o doutor lhe disse, com certo ar zombeteiro, que faltava só
1000 metros...
Ah,
ele ainda teria que correr a distancia que tinha até então sido o limite de
suas aventuras atléticas. Nem a lembrança de Marianinha aliviava a sensação
de cansaço que sentia. Queria sentar ali na grama, deitar e mandar o doutor e o
mundo pra aquele lugar.
Chegaram.
Aquele pessoal que tinha visto antes, ia chegando (todos com cara de safados pra
cima dele). Ficou com raiva não sabia do que. Tinha vontade de desafiar a todos
para uma corrida de 500 metros.
Bem,
o fato é que Luiz, ajudado um pouco pelas consultas, bastante pelas corridas e
muito pelos corredores, está atravessando a adolescência
tranquilamente. Já está correndo meia maratona numa boa e....a
Marianinha....., a Marianinha aos domingos vai
encontra-lo no Ipirapuera, para após a corrida tomarem aquele saboroso café da
manhã....