Keali

Eu a conheci numa lanchonete em Honolulu. 

Havia ido, com minha mulher, a uma loja de esportes comprar um par de tenis e então entramos numa lanchonete para a tradicional Coca-Cola. Conversava-mos sobre a prova  “Aloha Run”, uma tradicional corrida do Hawaii. Falavamos em português, e a atendente perguntou-nos que língua era aquela.

No meu inglês italianado expliquei que éramos do Brasil e eu iria, na próxima semana,  correr com minha filha, que morava no Hawaii.  Vi um brilho em seus olhos e os lábios se entreabrirem, me lembrando a expressão da famosa Monalisa de Da Vinci.

Keali, esse era seu nome, uma hawaiana descendente de filipinos e eu havia percebido que “puxava” de uma perna. Franzina, com um rosto muito bonito, olhos expressivos e bastante bronzeada, meio sem jeito e constrangida, ela perguntou se eu era um bom corredor. Eu lhe disse que era simplesmente um corredor a mais, e que para mim, o resultado não importava o que queria era participar. O rosto de Keali se iluminou e ela disse que isso era realmente o que importava. 

Não é costume, no Hawaii, as atendentes de lanchonete conversarem com os fregueses, mas a corrida serviu como desculpa e nós ficamos ali a bater papo sobre esse esporte tão querido.

Keali disse que tinha dificuldade em praticar esportes de equipe, porque um acidente em criança, havia lhe trazido um problema sério na perna. Como sempre gostou de esportes, começou a nadar, mas não sabia explicar porque, a corrida lhe atraia tanto. Conversou com muita gente até chegar a um treinador de academia, que lhe deu a devida atenção e começou um trabalho lento, mas firme,  com o suporte médico adequado. Dedicou-se de corpo e alma ao treinamento e já fazia pequenos trotes, alternando 5 minutos de corrida com 3 andando.

Keali vinha treinando há 6 meses, sem nunca ter participado de prova alguma. Havia ficado horas, no final da última maratona de Honolulu, vendo os corredores chegarem, e imaginando se um dia estaria também ali, recebendo o “ lei”  de conchas que as moças entregavam aos  “finishers”, e a tão cobiçada  medalha. 

Ao dizer isso, ela se transformava, parecia um raio de sol iluminando a lanchonete.

Senti um afeto muito grande por aquela moça que, quando falava de corrida, aumentava o brilho dos olhos e colocava uma ternura especial na voz.  

Apesar de médico que sou, acostumado com as emoções alheias, quase deixei derramar uma lágrima enquanto ouvia aquele ser humano, com limitação física importante para a corrida, expressando sua vontade e esperança de ser uma corredora.  Ela percebeu minha emoção e me sorriu. Santo Deus! Como quisera poder, num passe de mágica, curar aquela doce criatura e faze-la feliz ao completar uma maratona.  

Poucas vezes senti uma ternura e desejo de curar tão grandes por alguém, como senti por Keali.

Nos despedimos, e eu me arrependo muito de não tê-la abraçado, ainda que isso, no Hawaii,  teria sido um acontecimento muito estranho. Como as convenções sociais, as vezes, nos impedem de agir com o coração!

Contei o episódio a minha filha, que mais tarde acabou indo a tal lanchonete para conhecer Keali. Apesar de morarem longe uma da outra, acabaram se encontrando vez ou outra.

Fiquei sabendo que, hoje, Keali  já está participando de algumas corridas, e segundo minha filha, sempre com aquele sorriso encantador ao falar de seu esporte querido.             

Ainda consigo ver seu rosto iluminado ao falar de corridas. Esse episódio muito bonito de minha vida, e que me emociona cada vez que o relembro, devo ao fato de ser corredor.

Quanta coisa linda já aconteceu em minha vida, neste quarto de século que corro....

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