VIVER ATRAVÉS DA MEMÓRIA E DA EXPERIÊNCIA

Eu acordara, como sempre, pouco antes das 5. Em seguida me dirigi à Cidade Universitária. A manhã surgia nublada. O céu estava cinzento, as nuvens como que formando uma cúpula protetora sobre a terra. As árvores se espreguiçavam, despertadas pelo alvoroço dos pássaros a tagarelarem, contando as peripécias do dia anterior. Alguns cantavam sua ode à Natureza, enchendo o ar de sons variados, numa sinfonia de rara beleza. O ar estava limpo e a costumeira zoeira dos carros apressados não se fazia presente, porque era feriado e as pessoas ainda dormiam à solta, perdendo o espetáculo extraordinário de mais um amanhecer.

Vem os preparativos habituais, e o início da corrida de maneira suave e tranquila.

Em certos trechos do caminho, o chão estava coberto de pequenas flores amarelas, que formavam, contrastando com o verde do gramado, um tapete que jamais a mão humana poderia tecer. Comparar este amanhecer com os passados, ou com a perspectiva dos futuros é não entender a vida. A memória só vale para as coisas práticas do dia a dia. Deixá-la se imiscuir no psiquismo é fechar as portas para o entendimento da vida. A memória depende do fato experimentado no passado. A experiência é sempre limitada, nunca total, e assim o é a memória. Enfrentar a vida com a limitação da experiência e da memória, funciona nas coisas práticas, como na engenharia, medicina etc. Enfrentar  a vida, em seu significado  total,  nunca deve ser feito através da experiência passada ou da memória. Estaríamos repetindo o viver como um CD estragado, que repete sempre a mesma música.

Enfrentar o dia a dia de maneira inteligente, total, requer que ao se acordar, se esteja com a mente fresca, pura, inocente, sem o ranço psicológico do dia anterior e de todo o passado.  Os desafios que a vida  nos oferece, precisam ser enfrentados com a mente tranqüila, esvaziada dos acontecimentos anteriores. A lembrança “do que foi”, impede a compreensão “do que é”.  Enfrentar  “o que é” com a memória  “do que foi” é ficar estagnado para a beleza da vida, para a beleza dos desafios, para a beleza da dinâmica do viver.  É necessário uma mente criativa, limpa, livre do peso do passado, para que possamos resolver os problemas do dia a dia. Usar a memória do passado para enfrentar o presente, é usar o velho para enfrentar o novo.

É assim, que vou enfrentando minha corrida matinal, usando toda a experiência e memória no que concerne à técnica do correr, mas olhando as árvores, o céu, os pássaros, os colegas de corrida, com a mente limpa, sem a influência do passado, e isso me proporciona uma sensação plena de vida, pois cada encontro com a natureza, com o ser vivo, é uma emoção nova, não é moldada pelas experiências do passado.  Cada árvore que vejo, é como se a visse pela primeira vez. Sua beleza não se ofuscou. Ela me emociona. Eu a abraço.  Feliz de quem não se acostuma com a beleza das coisas. Mas só quem não guarda na memória essas emoções passadas, tem a mente livre para estar sempre sensível à harmonia e beleza do Universo.

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